terça-feira, janeiro 06, 2009

Cinemacção

2008 Filmes: Uma retrospectiva pelo cinema em 2008

2008 foi um ano em cheio para a sétima arte. Em tempo de balanços, fazemos a retrospectiva dos filmes estreados nas salas portuguesas em 2008 para eleger os melhores do ano.
Antes de mais, importa lembrar que os filmes que estrearam em Portugal nos primeiros três meses de 2008 foram a votos nas cerimónias e festivais de 2007. O mesmo é dizer que as principais obras que vamos analisar fizeram parte dos candidatos aos Óscares relativos ao ano de 2007, mas porque somente este ano chegaram aos nossos cinemas, teremos, naturalmente, que inclui-las na selecção de 2008. Importa ainda lembrar que esta é uma selecção subjectiva, baseada em critérios essencialmente pessoais, ou não estivéssemos num espaço de opinião. Esclarecidos tais pontos prévios, aqui fica uma revisitação do melhor cinema de 2008.




E, pois, que o ano em questão teve, em minha opinião, uma verdadeira obra-prima cinematográfica. E, contra todas as expectativas, ela veio dos estúdios Pixar, ou seja, para mim, o melhor filme do ano foi um filme de animação. “Wall-E”, a história de um robot na Terra do futuro, é mais do que um filme, é uma verdadeira lição de vida. Depois de “Ratatui”, o grande filme de animação de 2007, a Pixar apresenta-nos agora uma pérola da sétima arte, um hino ao que de mais mágico existe na vida, uma reflexão sobre a existência humana, sem cair nunca em pretensiosismos ou falsos moralismos. “Wall-E” é isso tudo e muito mais. É uma verdadeira história à moda antiga, fazendo lembrar os grandes clássicos da Disney, mas acrescentando à pureza e imaginação do melhor cinema de animação o inconfundível toque de modernidade dos estúdios Pixar.




Mas 2008 foi, indubitavelmente, o ano de “Mamma Mia”. O fenómeno Abba pulverizou todos os recordes de bilheteira nas salas de cinema nacionais e fez de “Mamma Mia”, de Phyllida Lloyd, um dos filmes mais vistos de sempre em Portugal, com um total de 845 mil espectadores em sala, contra os cerca de 600 mil dos segundo e terceiro mais vistos do ano, “O Panda do Kung Fu” e “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”, respectivamente. Não que “Mamma Mia” seja um virtuosismo em termos cinematográficos, muito pelo contrário. Excluindo a fantástica interpretação de Meryl Streep – mais uma! indo de encontro à tal máxima de que tudo em que Meryl Streep toca vira ouro – o filme vive sobretudo da dinâmica criada pelos temas dos Abba, já de si o factor de sucesso do musical que lhe serve de mote.




O mesmo não podemos dizer do grande vencedor dos Óscares. O filme “Este País Não é Para Velhos” consagrou definitivamente o inconfundível estilo de realização dos irmãos Joel e Ethan Coen, depois de obras que tiveram tanto de brilhante como de pouco consensual, de que são exemplo verdadeiras peças de culto como “Fargo”, “Irmão Onde Estás?” ou “O Grande Lebowski”. Dentro do estilo tipicamente americano, “Este País Não é Para Velhos” é um empolgante e arrebatador filme-perseguição num contexto único como é o do western, no qual brilham as fantásticas interpretações de Tommy Lee Jones e de Javier Bardem, este último justamente premiado pela Academia com o Óscar de Melhor Actor Secundário.



Outro estilo de realização tantas vezes esquecido pela Academia e que já há muito merecia ser consagrado é o de Tim Burton, que voltou em grande estilo em 2008 com “Sweeney Todd – O Barbeiro de Fleet Street”. “Sweeney Todd” é definível como um musical de terror, algo já por si muito difícil de definir. Logo, o último filme de Tim Burton só podia ser um verdadeiro exercício de estilo do realizador, entre o negro e o mágico, com mais uma interpretação assombrosa do actor fetiche de Burton. À semelhança do que acontecera com outras obras que só poderiam sair do imaginário do realizador, como “Eduardo Mãos de Tesoura” ou “Charlie e a Fábrica de Chocolate”, Johnny Depp volta a brilhar em “Sweeney Todd”, desta vez explorando o lado mais assombroso do actor e até as suas cordas vocais, demonstrando ao mundo toda a sua versatilidade interpretativa.




Depois de obras marcantes como “Magnólia” ou “Embriagado de Amor”, outro dos realizadores que regressou em grande em 2008 foi Paul Thomas Anderson. Com “Haverá Sangue”, o realizador transmite brilhantemente ao espectador, sem grandes efeitos especiais ou virtuosismos tecnológicos, a luta entre o amor e o ódio, entre o material e o espiritual, entre o global e o local, tendo como base a grande luta que foi a exploração do petróleo no início do século XX. Estamos, pois, perante em filme em estado puro, que celebra a representação e o trabalho dos actores, personificado na figura do inigualável Daniel Day-Lewis, o tal que escolhe a dedo e prepara cada papel ao pormenor e que, por isso, foi mais do que justo vencedor do Oscar de melhor interpretação masculina pela sua assombrosa participação neste “Haverá Sangue”.




Um dos grandes filmes do ano é, sem dúvida, “Juno”, a história da gravidez de uma adolescente na América dos nossos dias. Jason Reitman filma “Juno” num tom de comédia descontraída, mas sem esquecer a profundidade e a grandeza de cada personagem. É assim que o drama do mundo real parece suavizado aos olhos do espectador, muito também por culpa do excelente argumento de Diablo Cody. Também o elenco é irrepreensível, com destaque inevitável para Ellen Page na personagem da jovem Juno. Também inevitável é a comparação com “Little Miss Sunshine – Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos”, um dos melhores filmes do género dos últimos tempos, que viaja pelo dia-a-dia de uma família disfuncionalmente hilariante. “Juno”, sem ser tão brilhante como “Little Miss Sunshine”, consegue ser mais uma prova de vitalidade do cinema de parcos meios enquanto fiel retrato do real, por oposição aos blockbusters que inundam as salas de cinema como meras peças de entretenimento, no seu vazio e insipidez.




2008 proporcionou-nos ainda um fascinante mergulho nos bastidores do poder económico americano. Em “Michael Clayton – Uma Questão de Consciência”, o argumentista e estreante realizador Tony Gilroy oferece-nos uma interessante película, marcada pelas notáveis interpretações de George Clooney e de Tilda Swinton, esta última que venceu inclusive o Óscar de Melhor Actriz Secundária.




A nossa selecção de 2008 prossegue com “O Lado Selvagem”, um poderoso filme que marca a estreia do consagrado Sean Penn como realizador. O filme de Penn celebra valores como a coragem, o heroísmo ou a capacidade de sobrevivência diária. A interpretação de Emile Hirsch confere um vigor particular à narrativa, abrindo o véu para um final arrebatador, o culminar de uma acção em que o tempo e o espaço se cruzam de forma determinante.




Também arrebatador é “Jogos de Poder”, filme de Mike Nichols, realizador que já nos premiou com obras marcantes como “Closer” ou “Anjos na América”. À semelhança destes últimos, “Jogos de Poder” está longe de ser um filme consensual e fácil de digerir. Muito pelo contrário, é um filme que consegue ser perturbante na forma sublime como combina o humor e o drama, numa trama complexa e empolgante. E é precisamente isso que o torna num filme único. O argumento marca pontos e o elenco é de luxo, com Tom Hanks e Julia Roberts nos principais papéis. Mas o destaque vai inteirinho para a brilhante interpretação de Philip Seymour Hoffman. Quando achamos que o vencedor do Oscar por “Capote” já não nos consegue voltar a surpreender, eis que Hoffman tira mais um coelho da cartola, desta vez no delicioso papel de um agente da CIA.




2008 marca ainda o regresso de personagens míticas ao grande ecrã, entre as quais se destacam Indiana Jones, John Rambo e o próprio Batman, que faz a sua reaparição em grande estilo em “O Cavaleiro das Trevas”, naquele que é, indiscutivelmente, um dos grandes filmes do ano. Foi o já citado Tim Burton que trouxe Batman para o cinema como ele efectivamente merecia, marcando-o com a sua marca de sensibilidade quase poética, devaneio sombrio e humor aterrorizante. Depois de Burton, Joel Schumacher arrastou o super-herói para um campo mais espampanante, espalhafatoso, até carnavalesco, que pode ter atraído alguns seguidores, mas decerto desiludiu uma boa dose de fãs. “O Cavaleiro das Trevas” é o segundo filme da era Christopher Nolan. Depois de “Batman – O Início”, o realizador inglês volta a trazer o Homem-Morcego às suas origens, às emoções poderosas e desenfreadas da negra e sombria Gotham City. Esta é a receita de sucesso para um filme a mil à hora, com sequências de acção de prender o espectador do primeiro ao último minuto. Com Christian Bale atrás da máscara de Batman, é, contudo, o falecido Heath Ledger que brilha no papel de um Joker sociopata e gravemente perturbado. O Óscar a título póstumo para Ledger seria mais do que merecido e mais do que justo, mas ele seria sobretudo a confirmação de que o cinema perdeu um actor que já há muito deixara de ser uma promessa da sétima arte.
Ao desaparecimento do jovem Heath Ledger, 2008 juntou a perda de consagrados como Paul Newman, Charlton Heston, Sydney Pollack, Anthony Minghella ou Stan Winston.
No final de Fevereiro próximo, na cerimónia dos Óscares, descobriremos quem são os galardoados do ano. Até lá, segue-se a mais rica época cinematográfica do ano, com a estreia em Portugal dos principais candidatos às estatuetas douradas, com destaque para “Revolutionary Road” de Sam Mendes, “Nixon” de Ron Howard, ou “Changeling” e “Gran Torino” do crónico Clint Eastwood. Ao contrário de 2008, em que a cerimónia dos Óscares foi monopolizada por filmes de autor ou de baixo custo, como os já referidos “Juno”, “Haverá Sangue” ou “Este País Não é Para Velhos”, este ano há grandes expectativas depositadas em blockbusters como “O Cavaleiro das Trevas” ou “Iron Man – O Homem de Ferro”. Prometemos voltar a este tema uma vez conhecidos os vencedores do ano, até para perceber se as nossas apostas estavam ou não correctas.

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