terça-feira, dezembro 29, 2009

Verdes Anos



Flash Gordon

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Palavras

Dia de Natal

Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá
-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

domingo, dezembro 20, 2009

Silent Magic Words

Em jeito de voto de boas festas...



David Fonseca, "Amazing Grace", um toque genial...

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Ecos do Pensamento

Paul Samuelson [1915-2009]



«Para provar que Wall Street é um presságio da evolução futura da economia, os comentadores citam estudos económicos que alegam que as correcções do mercado previram quatro das últimas cinco recessões. Essa afirmação peca por defeito. Os índices de Wall Street previram nove das últimas cinco recessões! E os seus erros foram bonitos».

Paul A. Samuelson, “Science and Stocks”, Newsweek, 19 de Setembro de 1966

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Palavras

As Passagens Secretas

A navegabilidade é o ofício das mãos, embarcamos em ti,
germinas
e o mel progride pelas sombras do quarto, a roupa nua, o fogo
circular
que principia nas nucas –

argila, brisa, pálpebras que soluçam, cortam a neblina, gastam
a angústia até ao último centavo, a frescura dos lenços, o aroma
dos pássaros vermelhos, os pátios e as algas que nos pedem
auxílio desde a areia,

vê:

acenam-nos desesperadamente com refúgios.

Corremos pela praia com a nossa nudez porque deixamos algures
os mantimentos escassos de que a nossa tristeza se mantém.

Corremos pela praia e as mãos deslizam para um cobertor lavado
pelo mar,
o oiro magnífico, a distância
mais curta entre dois pontos. É noite,

e corremos porque o tacto é uma promessa, casam-se os búzios,
conchas
azuis habitam o olhar, barcos,

homens que bebem a água como se fosse terra, pequeninas
sementes,
dissumulam a sede a que deus nos condena.

Amadeu Baptista, "Fragmentos".

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Directo à Questão

O Caso Camarate: Ainda o mistério em torno da morte de Francisco Sá Carneiro

Passam vinte e nove anos sobre a morte de Francisco Sá Carneiro, ex-primeiro-ministro de Portugal. Quase três décadas sobre o acontecimento, permanecem todas as dúvidas e interrogações sobre aquele que ficará para a história como o “Caso Camarate”.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro foi primeiro-ministro durante cerca de onze meses, em 1980. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e exerceu a advocacia no Porto. Foi um dos fundadores da Cooperativa Cultural Confronto e director da Revista dos Tribunais. Deputado independente, pertenceu à chamada ala liberal de 1969 a 1973. Após o golpe militar de 25 de Abril de 1974, foi um dos fundadores do PPD, presidindo seus destinos. Fez parte do primeiro governo provisório como ministro-adjunto.
Líder do PSD, a nova denominação do PPD, com o CDS e o PPM constituiu em 1979 a Aliança Democrática, conhecida como AD, que venceu as eleições intercalares. Com isso, ascendeu a chefe do Governo. Obteve a maioria absoluta nas eleições de 5 de Outubro de 1980. Faleceu em 4 de Dezembro desse ano, vítima de um acidente de aviação, com um Cessna, em Camarate, quando se dirigia para o Porto, a fim de tomar parte num comício de apoio a António Soares Carneiro, candidato a Presidente da República pela AD. Uma morte envolvida em polémica. Um mero acidente? Um atentado? A dúvida ainda hoje permanece.
O Caso Camarate nunca foi a julgamento. Em causa está um dos mais negros e pior explicados eventos da história recente portuguesa. Em 1991, uma Comissão Parlamentar criada na Assembleia da República para o efeito declarou reiteradamente, em modo tendencialmente unânime, após apuradas e cuidadosas investigações, que existiam fortes indícios de ocorrência de crime em Camarate e que os autos deveriam ser levados a julgamento. No entanto, o caso não seguiu para julgamento logo em 1991, nem sequer em 1995, quando a Comissão Parlamentar de Inquérito concluiu os seus trabalhos.
Neste tipo de casos, diz o Direito, só o tribunal de julgamento poderia, em definitivo, apreciar os factos apurados e declarar a ocorrência de crime, determinando em simultâneo a responsabilidade dos indiciados. Foi este passo fundamental da Justiça Portuguesa que foi sucessivamente impedido, ao arrepio de repetidas inquirições parlamentares e respectivas recomendações, para averiguação e estabelecimento das causas e circunstâncias das mortes.
No final de Novembro de 2006, José Esteves, antigo segurança de Sá Carneiro, garantiu, numa entrevista publicada pela revista Focus, que o ex-primeiro-ministro tinha sido assassinado, chegando a confessar-se como o fabricante da bomba que fez explodir o Cessna. O advogado dos familiares das vítimas do Caso Camarate, Ricardo Sá Fernandes, sublinhou na altura que era “a primeira vez que alguém assumia expressamente a autoria do atentado”. Contudo, como o caso já se encontrava prescrito, o então Ministro da Justiça, Alberto Costa, afirmou que o Governo não avançaria com qualquer medida no sentido de levar o caso a julgamento.
Passaram esta sexta-feira vinte e nove anos sobre o brutal acidente. No entanto, o mistério sobre o caso persiste, por entre um rol de suspeitas e inúmeras teorias da conspiração. Muitas dúvidas, uma única certeza. Sá Carneiro, um ilustre servidor do Estado Português, não merecia tudo o que esse Estado tem (ou sobretudo não tem) feito pela resolução de mais um dos muitos casos que ensombram a Justiça portuguesa.