quarta-feira, agosto 16, 2006

A Administração Local em Portugal: Entre a capacidade de inovação e a resistência à mudança (I)

Como é defendido por Paulo Magro da Luz, da Partner Government & Health Care, Novabase Consulting, num artigo de opinião publicado em Suplemento do Diário Económico Digital de Setembro de 2005 subordinado ao tema Modernização da Administração Pública Portuguesa, “a necessidade de uma intervenção profunda na Administração do Estado que suporte transformações de Organização, Processos e Recursos Humanos para a tornar mais ágil, eficiente e compatível com os actuais níveis de exigência da sociedade e com as capacidades do País é hoje consensual”.
Reconhecido o importantíssimo poder do Estado, enquanto elemento regulador e decisório, a problemática da Administração Pública portuguesa reside essencialmente, nos desequilíbrios existentes, na ineficiência no cumprimento da “missão” pública, no latente défice de produtividade existente e na rigidez aos mais diversos níveis, sobretudo em termos de procedimentos e de afectação de recursos (humanos e financeiros). Temos um Estado que, basicamente, não cumpre eficazmente com a sua função reguladora e fiscalizadora e que presta um serviço público em que os custos envolvidos não encontram revérbero na qualidade oferecida ao cliente.
Contudo, enquanto máquina “pesada” que é, torna-se difícil encetar um mais do que urgente processo de mudança. Tal é, de resto, impossível enquanto for o próprio Estado a dar os maus exemplos, com serviços burocratizados e pouco produtivos, enquanto as empresas que prevaricam, viciando o sistema, continuarem intocáveis e, sobretudo, enquanto não existir uma gestão planeada de políticas, de recursos e de práticas dentro do próprio Estado. Como sublinha Pereira, o aparelho administrativo do Estado, apesar da ocorrência de algumas rupturas no sistema político e social português, não tem sido objecto de alterações dramáticas equivalentes, nomeadamente ao nível da cultura administrativa e da burocracia pública. Neste sentido, tem-se, de alguma forma, mantido o pendor centralista, legalista, “administrativista” e conservador da Administração Pública portuguesa.
Se nos centrarmos nas especificidades da Administração Autárquica, ou seja, na gestão dos Municípios, enquanto unidades político-administrativas relativamente autónomas das unidades públicas da Administração Central, verificamos que, sem embargo da evidente uniformidade de regras existentes para a generalidade das instituições públicas, as suas particularidades (e.g. natureza, objectivos, dimensão) poderão ditar uma maior ou menor abertura daquelas entidades à modernidade e, naturalmente, marcar diferenças na sua capacidade de absorção de formas mais flexíveis de gestão.
Os Municípios não são apenas entidades públicas de administração, mas igualmente unidades de governo próprio, possuindo, como tal, a mesma legitimidade política, financeira e democrática que é reconhecida ao governo central. Significa isto que os Municípios possuem autonomia política e capacidade de decisão autónoma. Para além disso, as autarquias locais são entidades com um rosto: o Presidente da Câmara Municipal. Este facto revela-se de extrema importância no que concerne à visibilidade e relacionamento com o exterior.
Os Municípios, além de unidades de governo, ou entidades políticas de governação local, constituem ainda verdadeiras unidades produtivas, ao produzirem e distribuírem pela comunidade um apreciável volume de serviços. Nalgumas localidades, são mesmo as principais entidades empregadoras concelhias. Assim, constituem efectivas unidades de gestão, sendo obrigadas a planear e utilizar os meios, as técnicas e os métodos mais adequados para melhor rentabilizar a sua acção e de forma mais eficiente servir as populações;
A ambiência positiva na Administração Local para a absorção da modernidade e para melhor utilização dos meios e métodos avançados de gestão pública torna, portanto, o governo local no mais capaz de inovação. Ainda assim, em muitos sectores a inovação é só aparente porque, na verdade, os serviços públicos não são capazes de inovar, porquanto tiram os seus recursos do orçamento, em vez de serem remunerados pelos resultados. Assim, o sucesso depende de orçamentos cada vez maiores. Mais do que no sector privado, a inovação depende dos indivíduos, isto é, dos funcionários, já que estes se comportam predominantemente com base em padrões e normas de conduta. Ora, o envolvimento e o comprometimento dos funcionários do Estado numa cultura de serviço público esteve sempre ausente de qualquer estratégia de modernização administrativa.
Existe, portanto, um conjunto de debilidades que impedem a concretização de melhores níveis de absorção das práticas modernas de gestão nos municípios e, portanto, de maiores índices de eficiência locais. É sobre os entraves à inovação nas autarquias locais que nos debruçaremos na segunda parte deste artigo.

Sem comentários: