quarta-feira, dezembro 19, 2007

Cinemacção

2007 Filmes

Apesar de todos os condicionalismos inerentes à minha reduzida mobilidade física neste ano que agora finda, não deixei de acompanhar com a proximidade possível o panorama cinematográfico em 2007 e, por isso, aqui fica uma reflexão crítica sobre aqueles que são indiscutivelmente os (meus) Filmes do Ano.

Cartas de Iwo Jima (*****)



Se 2006 foi o ano de “Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos” (a infeliz tradução para “Little Miss Sunshine”), 2007 foi decididamente o ano de “Cartas de Iwo Jima”. Embora tenham estreado em Portugal em anos diferentes, estes dois filmes concorreram ambos à Cerimónia dos Óscares deste ano e foram (em nosso entender, injustamente) batidos por “Entre Inimigos” (“The Departed”) na categoria de Melhor Filme. Mas se “Little Miss Sunshine”, uma descontraída comédia que gira em torno de uma disfuncional família americana, prima pela genialidade do argumento e pela desconcertante performance dos actores, “Cartas de Iwo Jima” é aquilo a que podemos chamar de uma verdadeira obra-prima. A segunda parte do díptico sobre a II Guerra Mundial realizado por Clint Eastwood, de que “As Bandeiras dos Nossos Pais” constitui o primeiro filme, afirma-se como um verdadeiro exercício de estilo do próprio realizador, que desagua num mágico turbilhão de emoções, tendo como pano de fundo a árdua batalha dos soldados japoneses na ilha de Iwo Jima. Enquanto “As Bandeiras dos Nossos Pais”, que vive a história do lado americano, sem deixar de ser uma obra interessante, raramente suplanta a banalidade de outros filmes do mesmo género e cai facilmente na unissonância do desenrolar de acções, este “Cartas de Iwo Jima” constitui um verdadeiro hino à força de vontade e ao querer do ser humano, personificados no General Tadamichi Kuribayashi (uma extraordinária interpretação de Ken Watanabe), que se apresenta em contraste com a própria natureza inóspita da ilha que lhe serve de pano de fundo. Enfim… Sublime…





À Prova de Morte - Death Proof (****)


Um dos meus realizadores de eleição, Quentin Tarantino, regressa ao grande ecrã em 2007 com “Death Proof”, mais um projecto em dois actos, de que “Planeta Terror”, de Robert Rodriguez, constitui a segunda parte. A parte realizada por Tarantino do projecto “Grindhouse” é uma homenagem e, simultaneamente, uma sátira aos filmes de série Z. Nada falta. Uma cópia riscada, saltos de imagem, falhas no som. O que faz de “Death Proof” um daqueles filmes perante o qual a reacção só pode ser uma de duas: ou se gosta – e emana de Hollywood mais uma obra-prima – ou se detesta – e o espectador sai da sala a meio da projecção perante tanto “bad cinema”. O que me coloca no primeiro grupo de reacções e me faz considerar este filme uma obra de mestre da sétima arte é o facto de esse “bad cinema” ser voluntário e propositado por parte de Tarantino! A sua chancela está lá, nas melhores cenas de pancadaria, na fantástica perseguição final, no inconfundível grafismo, na exemplar fotografia, no registo musical e até na deliciosa referência às “massagens de pés” celebrizadas em “Pulp Fiction”. Ao contrário de “Death Proof”, a segunda parte do projecto “Grindhouse”, o filme “Planeta Terror”, de Robert Rodriguez, mais não é do que uma entretida (mas vulgar) fita de zombies, em que se destaca a brilhante interpretação de Rose McGowan.




Promessas Perigosas – Eastern Promises (****)


Depois de “Uma História de Violência”, que recebeu uma nomeação para os Óscares e o aplauso da crítica (o meu incluído), David Cronenberg regressa com “Eastern Promises”. Os temas recorrentes do cineasta canadiano continuam lá. Atmosferas sinuosas, violência reguladora de relações, humor negro, dramas familiares. Contudo, tal como na sua anterior obra, perderam-se os corpos mutantes e os monstros convencionais de Cronenberg. Apurado como nunca, o realizador trocou o corpo pela alma humana e os monstros são mais ambíguos e inquietantes. No filme, destaca-se desde logo a fantástica interpretação de Viggo Mortensen, a um nível tal que ninguém se surpreenderia com uma nomeação para o Óscar (em Fevereiro descobriremos). Os quatro minutos de nudez da cena da luta de facas na casa de banho têm um poder surreal: o realizador terá dito a Mortensen que queria realismo e “fisicalidade”. O resultado é um brutal momento de violência transformado num ápice em algo belo e harmonioso. Não menos assombrosa é a interpretação de Armin Mueller-Stahl e nem Naomi Watts desilude, embora não fuja do seu estilo habitual. Absorvente fotografia de Peter Suschitzky, que reforça a crueza e frieza de uma Londres escura e sombria. Já o argumento (de Steve Knight) pode ser considerado excessivamente convencional, mas a nós parece-nos de maior relevância realçar a capacidade de transformar uma história simples num hino à fragilidade humana com o estilo “hiper-romântico” de Cronenberg. “Eastern Promises” é o mais perturbante e tocante filme do realizador. E por isso é intrigantemente belo.




Pecados Íntimos - Litlle Children (****)


Uma das surpresas do ano. "Litlle Children" vive intensamente o dia-a-dia de um conjunto de pessoas cujas vidas se cruzam em parques infantis, piscinas municipais e ruas de uma pequena comunidade. E o realizador Todd Field fá-lo de forma surpreendente e soberba, explorando genialmente cada uma das personagens e os perigos que encerra cada esquina. Grande história, baseada na obra de Tom Perrota, que explora a crise de uma geração nascida nos anos setenta, meio perdida entre a “velha guarda” e nova sociedade da informação. E grande interpretação de Kate Winslet, justamente nomeada pela Academia, num dos melhores papéis da sua carreira. Com nomeações para os Óscares ainda em mais duas categorias, “Litlle Children” é um filme sublime e provocador, que merece ser visto atentamente em cada pormenor.




Apocalypto (****)


No turbulento fim dos tempos de outrora, na grande civilização Maia, quando a sua existência é brutalmente posta em causa por uma violenta força invasora, um homem é levado numa perigosa viagem por mundo governado pelo medo e opressão onde um fim agonizante o espera. Depois de “A Paixão de Cristo”, Mel Gibson regressa à realização com este “Apocalypto”, uma história simples mas não um argumento banal, um filme emocionante mas não puro entretenimento. As épicas cenas de violência, que marcaram a estreia do realizador atrás da câmara em “A Paixão de Cristo”, mantêm a sua centralidade em “Apocalypto”, mas são agora mais “toleráveis”. Afinal de contas, não estamos a falar de figuras que nos habituámos a ver num contexto mais edílico, como Jesus Cristo ou Maria de Nazaré. “Apocalypto” mantém, pois, a base estilística do autor, aquele realismo exacerbado a que nos habituou, mas ganha profundidade cinematográfica, com a riqueza de cada personagem, de cada cena, de cada momento dramático.




Os Simpsons: O Filme (****)


Sim. Sou suspeito. Mas não podia deixar de eleger “Os Simpsons” como um dos filmes do ano. E é fácil perceber porquê. Fã incondicional da série desde os anos 80, fiel às diabruras de Bart, Homer, Lisa, Marge e Maggie e demais habitantes da pitoresca Springfield, eu que nem gosto particularmente de filmes de animação, não podia perder esta pérola. Felizmente, não sou o único a reconhecer a qualidade cinematográfica de “Os Simpsons: O Filme”. E se é verdade que compreendo as vozes críticas que dizem tratar-se de um episódio com noventa minutos (ao invés dos habituais vinte), é porque este filme mantém os factores que fazem da série um caso sério de popularidade um pouco por todo o mundo: o argumento é cinco estrelas, os nomes que dão voz às personagens são escolhidos a dedo, é efectuada uma sátira perfeita à sociedade actual. A família amarela mais famosa de planeta e o seu criador Matt Groening estão de parabéns.



O Último Rei da Escócia (****)


A Rainha (***)



Era impossível fazer uma crónica sobre cinema em 2007 sem falar de “A Rainha” e “O Último Rei da Escócia”. E ao longo das próximas linhas perceberão porque estes dois filmes têm que ser analisados em conjunto. Geniais interpretações (de Helen Mirren em “A Rainha” e de Forest Whitaker em “O Último Rei da Escócia”) que valeram da Academia os Óscares de Melhor Actriz e Melhor Actor, respectivamente. Histórias reais enformadas num contexto ficcional, a da Rainha de Inglaterra num papel magistral de Helen Mirren (que encarnou genialmente uma personagem de interpretação dificílima), e a do governante do Uganda, Idi Amin, brilhantemente interpretado por Forest Whitaker (quem diria que o delicado e elegante actor dava um psicótico e carismático ditador?). Soberbos argumentos de Peter Morgan, que assina ambas as fitas, revelando uma capacidade muito própria de aplicar um polimento de ficção a personagens verídicas. Mas se há muito que une “A Rainha” e “O Último Rei da Escócia”, há sobretudo um aspecto que os separa. Se a obra de Stefen Fears, “A Rainha”, é um característico telefilme, baseado em personagens e acontecimentos reais, n’“O Último Rei da Escócia”, apesar de Idi Amin ter efectivamente existido, o médico escocês Nicholas Garrigan e todo o seu envolvente são criações ficcionais, o que faz desta película uma obra muito para além de um mero telefilme: “O Último Rei da Escócia” é também e, sobretudo, uma brilhante e emotiva viagem à Uganda de Idi Amin e à magia do continente africano.



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