quarta-feira, maio 27, 2009

Directo à Questão

O rastilho de pólvora da Bela Vista ou uma reflexão sobre o Estado Social

Os recentes acontecimentos no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, trouxeram (uma vez mais) à baila as delicadas questões da insegurança e do medo na sociedade portuguesa em geral e, em particular, nos problemáticos bairros sociais das nossas cidades. E, acima de tudo, voltam a pôr-nos a pensar na valia das políticas sociais dos últimos anos no nosso país, que conduziram à proliferação de bairros em zonas sub-urbanas que hoje são, indiscutivelmente, focos de pobreza e de exclusão social, precisamente os problemas que pretendiam combater à data da sua criação.

Similares, mas não propriamente comparáveis, os incidentes em França e na Grécia, num passado não muito longínquo, chocaram o mundo e fazem antever que este fenómeno se torne cada vez mais comum nas nossas cidades. Estaremos preparados para estes focos de violência que, apesar de localizados, parecem tão difíceis de controlar? Será de considerar a hipótese de alastramento e generalização deste tipo de distúrbios a outras cidades e zonas urbanas com problemas idênticos? Poderemos falar em verdadeiros guetos, barris de pólvora prestes a explodir, particularmente no contexto actual de turbulência económica e de crise global? Estarão as forças de segurança devidamente equipadas e preparadas para este tipo de violência?

Muitas questões. Decerto demasiadas questões. Existirão respostas? Fáceis não há nenhuma de certeza. A resposta mais facilitista será, naturalmente, culpar a sociedade como um todo. Mas podemos decerto ir mais fundo. Tanta é a responsabilidade das sucessivas políticas e estratégias sociais que, ao longo dos anos, não foram capazes de antever cenários como o actual.

Vejamos os factos. São três os núcleos da Bela Vista, em Setúbal, com uma população total de 3920 habitantes. O chamado “Bairro Azul” é o mais diversificado, com 48% de portugueses, 31% de africanos, 18% de ciganos e 3% de timorenses. A taxa de desemprego no Bairro da Bela Vista ronda os 29%, mais do triplo de média nacional. Mais de 20% dos moradores recebe Rendimento Social de Inserção. A média das rendas mensais pagas no Bairro é de cerca de 6€. Cerca de um quarto dos moradores não concluiu sequer o primeiro ciclo do Ensino Básico. Existem grupos organizados rivais, existem gangs armados, existe tráfico de droga.

São factos. Valem o que valem. Mas não deixam de denunciar uma mistura explosiva. É este o resultado de anos de políticas sociais assentes no assistencialismo e na subsidio-dependência. O resultado de anos sem uma política de imigração eficiente e sem a integração social dos descendentes daqueles que foram chegando aos centros urbanos por via dos fluxos migratórios. O Bairro da Bela Vista, como outros, nunca devia, pura e simplesmente, ter existido.

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