terça-feira, julho 01, 2008

Directo à Questão

A Irlanda e o Futuro do Tratado de Lisboa

No passado dia 12 de Junho, o futuro da União Europeia esteve nas mãos dos Irlandeses. Nas mãos de pouco mais de 3 milhões de cidadãos, o equivalente a menos de um terço da população portuguesa e a menos de 1% da população europeia. Pelo menos foi assim que a imprensa internacional se referiu à importância do referendo ao Tratado de Lisboa pela Irlanda.
Já alvo de ratificação parlamentar pela maioria dos países da União, o denominado Tratado Reformador Europeu, assinado em Lisboa pelos 27 Estados-membros, parecia ser – finalmente – a resposta possível (embora longe da ideal) para o impasse criado desde a rejeição de uma Constituição Europeia. Uma solução airosa, conciliadora, mas sofrível, conseguida sob a batuta da Presidência Portuguesa da União Europeia. Uma vitória de Portugal e de José Sócrates. Uma vitória da Europa.
Mas também um Documento fragmentado, inteligível e feito à medida dos interesses, cada vez menos conciliáveis e unificáveis, dos 27 estados que o assinaram. Resultado de intermináveis rondas negociais e de múltiplas cedências relativamente à proposta inicial de Constituição, o Tratado de Lisboa diz muito pouco a quem o tenta ler (confesso que tentei!). E por isso disse também muito pouco aos irlandeses, que decidiram ficar maioritariamente em casa no passado dia 12. Com uma taxa de abstenção na ordem dos 80% e uma vitória do “Não” com mais de 53% dos votos, os irlandeses demonstraram uma clara rejeição, não apenas ao Tratado de Lisboa, mas a todo o próprio processo de integração europeia. A Europa volta a estar em crise. Estará a construção europeia em cheque? Que ilações poderemos retirar do “Não” irlandês?
É verdade que o resultado de um qualquer processo eleitoral deste género é indissociável da realidade interna do país em que ocorre, sendo habitualmente aproveitado para transmitir uma mensagem (de reforço ou punição) relativamente ao desempenho governativo interno. Foi, de resto, em larga medida, o que sucedeu, por exemplo, no “Não” francês à Constituição Europeia. No entanto, não se pode dizer que estes resultados que nos chegam da Irlanda fossem inicialmente expectáveis. A Irlanda tem sido um dos países mais beneficiados com a integração no espaço europeu. Em várias sondagens de opinião à escala europeia, os irlandeses demonstravam ser dos cidadãos mais convictamente europeístas. Todos os partidos políticos da Irlanda, sem excepção, fizeram campanha eleitoral pelo “Sim”. Temos pois que, quando os dirigentes daquele país decidiram cumprir uma promessa eleitoral e optaram por referendar o Tratado, dificilmente estariam à espera destes resultados. Podiam alegar, como o fizeram outros países (entre os quais Portugal), que o Documento em causa está longe de ser uma Constituição e, que por isso, não se justifica o cumprimento da promessa de referendo. No entanto, não tenho dúvidas que, quer os dirigentes irlandeses, quer os responsáveis máximos da União Europeia, jamais acreditaram que fosse possível que os cidadãos da Irlanda dissessem “Não” ao Tratado de Lisboa. Mais, que fosse demonstrado um tamanho afastamento dos irlandeses relativamente à causa europeia.
Mas eu afirmo que os resultados não me surpreendem. Diria mesmo mais. Se o Governo Português decidisse referendar o Tratado de Lisboa por estas bandas – como, de resto, foi pressionado para fazer por diversos quadrantes políticos internos – os resultados correriam o risco de ser ainda piores. Antes de mais, face aos níveis de abstenção verificados em Portugal em anteriores referendos, está mais que provado que, como afirmou recentemente o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, o mecanismo referendário não tem revelado grande receptividade por parte dos portugueses. Se, mesmo em questões tão fracturantes como o aborto ou a regionalização, não conseguimos um nível de adesão superior a 50%, o que esperar de um referendo a uma matéria de interesse europeu?
É bem evidente o afastamento dos portugueses relativamente às questões europeias. As eleições para o Parlamento Europeu são sempre das menos concorridas e é nítido que o que se passa na Europa não está entre as principais preocupações lusas. Considero mesmo que a construção e integração europeias, em Portugal, como noutros países, pouco diz ao cidadão comum, existindo apenas uma certa “elite” que, efectivamente, acompanha de perto as questões da União. Em Portugal, como noutros países, é ainda bem evidente a progressiva desacreditação da classe política e consequente divórcio das ideologias político-partidárias. Assim se percebe como é que o “Não” ganha num referendo em que todos os partidos políticos apoiam o lado oposto da barricada.
Então e agora? Uns defendem o fim do Tratado de Lisboa. Outros pedem que o processo de ratificação prossiga nos países em que ainda não ocorreu. Outros ainda chegam mesmo a sugerir a exclusão temporária da Irlanda do processo de integração europeu. Qualquer que seja a decisão futura, a única certeza que fica é a de que a Europa vive nova situação de impasse, mergulhando uma vez mais numa crise que há bem pouco tempo julgava ultrapassada. Uma dor de cabeça enorme para a França, que em Julho assume a presidência da União, sucedendo à Eslovénia. Aguardemos, pois, as cenas dos próximos capítulos.

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