quarta-feira, abril 25, 2007

Life Is A Masterpiece

"Bebés chinesas, recém-nascidas, abatidas por terem o azar de terem sido mulheres. Estádios de futebol meio cheios, meio vazios, gente que grita a plenos pulmões por onze homens que correm num relvado rectangular.
Poças de lama, montes de areia, onde crianças sem sonhos empurram pedras umas às outras, à espera que um dia apareça a tão ansiada bola. Casas inteligentes. Barracas inconsistentes. Colégios privados. Escolas sem quadros. Greves de tempos a tempos. Guerrilhas todos os dias. Tiros na televisão. Tiros ao virar da esquina.
O que fazer no fim-de-semana? Como sobreviver ao fim-de-semana?
Google, Skype, I-Tunes, You-Tube. E porque não temos nós um computador? Mulheres obcecadas pelas medidas da cintura, da anca, das pernas, mulheres que deixam de comer. Mulheres que dariam tudo para ter meio grama a mais, apenas para sobreviver.
Bares vintage, discotecas fashion, restaurantes imperdíveis, areais a descobrir, os novos lugares de culto. O único culto é um Deus demasiado ausente.
Centenas de homens e mulheres que se matam em estradas, no que seria mais uma viagem. Centenas de homens e mulheres que se matam pela terra, pela água, pela fome, pelo medo, pelo desespero, pela descrença, pelo abandono, pelo caos, pela morte à sua volta.
Blogs de política, blogs de escárnio e maldizer, blogs de tudo, de nada, e de mais alguma coisa. Acesso ao blogspot proibido na China - e onde mais? Senhoras de sacos azuis passeando pelas ruas de Ipanema, majores e presidentes de charuto na boca com todo o tempo de antena.
Em 2003, no país das liberdades congeladas, o homem mais rico da Rússia, Mikhail Khodorkovsky, foi preso porque insinuou candidatar-se a presidente – continua atrás das grades.
Os Óscares, os Globos de Ouro, os Emmys, os Grammys, as festas mil, os vestidos de sonho. E porque não temos nós uma televisão? O novo grito em telemóvel. O último grito de socorro.
O mundo é assim. Alguém o desenhou feito de contrastes.
Enquanto a França está indecisa entre a bela Ségolène e o cinzento Nicolas Sarkozy, no Sri Lanka o grande duelo é entre o governo e os Tigres do Tamil.
Enquanto em Espanha se comenta à boca fechada a gravidez, a magreza, os sorrisos e os olhares da princesa Letizia, a Birmânia mudou de capital sem dizer ai nem ui, e mantém a Aung Sang Kyi presa há tantos anos que isso deixou de ser notícia, quanto mais as lutas internas pelo poder.
Enquanto nos EUA se espera que Bush caia da cadeira, na Libéria, que ironicamente significa "terra da liberdade", a guerrilha permanece nas armas que cada criança carrega como se fossem brinquedos.
Enquanto no Brasil a violência dispara, querem-nos fazer crer que na Serra Leoa a situação está controlada pela meia dúzia de capacetes azuis que nada podem face à rebelião – acreditam mesmo nisto?
Enquanto nos Açores se emigra para o Canadá em busca de salários melhores, quem nasce no Burkina Faso sabe que a vida tem de ser feita noutro lado – só que esse outro lado é lado nenhum.
Enquanto em Cuba se espera o fim anunciado de Fidel, o Sudão tem uma guerra civil sem fim à vista, só que isso não abre telejornais – nem os mais de dois milhões de mortos em 20 e tal anos de conflitos.
Enquanto na Holanda se comem cogumelos mágicos como se anda de bicicleta, a República de Angola é um poço de petróleo e diamantes de sangue, só que é feio dizer isso, quanto mais escrevê-lo..."

Ana Murcho - Jornalista
anamurcho@gmail.com
In http://lifeisamasterpiece.blogspot.com/

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