quarta-feira, novembro 15, 2006

Globalização e Conhecimento (II):
O Caso Português

O Conhecimento, enquanto a base de grande parte do comportamento implica, como vimos, capacidade de organização da informação existente tendo em vista a resposta a problemas específicos. O trabalhador do conhecimento imerge na sociedade actual como grupo profissional dominante, com níveis elevados de habilitações académicas, autonomia e desenvolvimento profissional contínuo. Este novo operário surge no culminar de um processo de desenvolvimento do capitalismo que corresponde à transição para uma fase porventura terminal, o capitalismo do mercado global.
A Globalização, termo diverso e complexo, falsa ideia clara ou verdadeira ideia confusa, o certo é que constitui um dado adquirido e incontornável. Por isso, a questão que a sociedade actual deve colocar não é se deve ou não existir uma economia global, antes como potenciar essa economia. Como analisámos no primeiro momento da nossa reflexão, a economia de mercado global e a transição para a EBC constituem dois verdadeiros megaprocessos em curso no contexto macroeconómico que se condicionam reciprocamente. Nesse sentido, podemos afirmar que existe um nível englobante das economias nacionais, em que se situam as grandes empresas transnacionais ou, nas palavras de José Pinto dos Santos, professor português do INSEAD, um novo tipo de multinacionais, as metanacionais.
Tomando como prisma de análise a globalização enquanto processo de integração económica mundial, podemos considerar a integração de Portugal na União Europeia (UE) um processo de inserção da economia portuguesa num processo mundial de globalização. A integração europeia assume-se, assim, enquanto uma resposta macro-regional à Globalização, sem criar uma fortaleza europeia, salvaguardando identidades culturais e não deixando de defender interesses nacionais.
Este processo de transnacionalização crescente da economia torna particularmente relevante a competitividade estrutural da economia no mercado global. Um país torna-se mais ou menos atractivo ao Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em função do desempenho das suas estruturas económicas. Esse desempenho é medido tendo por base um conjunto de indicadores estruturais que, no caso português, se traduzem em evidentes problemas de competitividade. Senão vejamos. Sem necessidade de recorrer a uma análise exaustiva, facilmente verificamos que: a) existem problemas de fundo no sistema fiscal; b) o Estado é “gordo” e ineficiente; c) o ensino e formação profissional são ministrados mais em quantidade do que em qualidade; d) existe uma baixa produtividade empresarial; e) os índices de corrupção são elevados; f) existe escassez de mão-de-obra qualificada (up-grading); g) a intensidade de concorrência no mercado interno é baixa; h) são bem patentes o esforço insuficiente em I&DE e os baixos níveis de “acesso ao conhecimento”.
Para garantir a existência de uma convergência real entre os Estados-membros, a UE implicou uma substancial transferência de recursos financeiros para os países com dificuldades de índole estrutural, daí a denominação de fundos estruturais. No entanto, apesar de Portugal ter sido amplamente beneficiado por este tipo de ajudas, a economia nacional continua actualmente no extremo inferior da classificação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelas Nações Unidas.
Não esqueçamos, contudo, que os níveis de partida foram muito baixos à escala da Europa Ocidental, sobretudo em termos de desenvolvimento de recursos humanos. Os números são inequívocos e revelam que a economia portuguesa registou um crescimento profundo na última metade do século XX, em grande parte alavancado por indução externa, enquanto resultado directo do fim do “autocentramento imperial” e de uma crescente abertura externa (europeia e ibérica).
Acrescente-se ainda que o princípio da solidariedade europeia parece não ser conciliável com a lógica de mercado global. De facto, as transferências de fundos comunitários são necessárias, mas não suficientes, uma vez que não atenuam variáveis como a posição periférica do país e as suas matrizes culturais idiossincráticas. Por exemplo, a emergência à escala global de países como a China, que praticam o chamado dumping social, acentua as dificuldades de uma economia como a portuguesa, largamente em mão-de-obra barata e produtos de baixo valor acrescentado. Também os recém-integrados países da Europa Central e de Leste constituem ameaça directa à economia nacional, ao aliarem aos menores custos directos e indirectos de trabalho um sólido e inestimável capital do conhecimento.
Portanto, o problema centra-se no evidente e amplamente discutido atraso em termos de capital humano e no estatuto periférico no seio da UE, reforçado por força do alargamento a uma Europa a 25. Como verificámos anteriormente, falta, em grande parte, à economia portuguesa a criação de valor acrescentado, ou seja, a situação portuguesa actual reflecte a globalização num estádio avançado, em contraponto com o atraso na transição para a EBC. Neste cenário, parece-nos que o único rumo possível para o futuro de Portugal é a valorização da diferença, o que implica uma mudança necessariamente gradual no sentido do aumento da capacidade endógena de inovação e empreendedorismo.
Consideramos, portanto, que não podemos considerar a integração na UE uma oportunidade desperdiçada. No contexto global actual, seria impossível abdicar da pertença europeia e, se é verdade que, qual sina lusa, voltamos a partir atrasados para um novo desafio, importa, sobretudo, não perder o comboio do conhecimento. Nesta nova epopeia, o Estado e os empresários portugueses têm um papel decisivo na definição de estratégias em prol de uma sociedade do conhecimento. Mas, porque a etiologia do problema de competitividade estrutural português tem uma enorme fatia cultural, a premência de mudança impende sobre cada um de nós. E deve, por isso, partir, antes de mais, de cada um de nós. De todos nós.

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