quinta-feira, abril 12, 2007

“A flexibilidade laboral ou a «corrosão do carácter»?” (I)

Numa economia de “pleno emprego”, o trabalho não é apenas um meio de produção de riqueza, mas também um meio de integração social. O trabalho remunerado com duração indeterminada (salário regular colectivamente negociado, e um conjunto de direitos e garantias) tornou-se uma importante fonte do desenvolvimento identitário, ético e cognitivo do indivíduo, conferindo um estatuto social ao trabalhador.
Na sociedade centrada no trabalho, predomina o trabalho remunerado regular efectuado numa empresa, com base num vínculo contratual estável e num compromisso de longo prazo que fundamenta a autonomia e a cidadania.
Contudo, as profundas mutações actuais da organização económica e social colocam cada vez mais em causa os conceitos e as representações de trabalho, emprego e empresa que foram construídas desde o início do século XX. Com o início da falência do modelo tradicional de organização e gestão, que funcionava segundo modelos tayloristas de produção em massa, constatamos que a estabilidade e previsibilidade é, hoje em dia, substituída pela mudança e flexibilidade, consequência dos modelos económicos de desenvolvimento actuais, sustentados numa lógica de globalização da economia e do próprio conhecimento. Seríamos ingénuos se considerássemos que estas alterações têm apenas consequências ao nível do trabalho. Afectam de igual forma a organização das relações sociais, profissionais e a própria organização mental do indivíduo.
Estas modificações implicam a crise do “pleno emprego”, do trabalho assalariado, da integração social pelo emprego, e, ao mesmo tempo, a crise do Estado-providência (Welfare State) e das formas de regulação social do trabalho – aspectos que, adicionados ao aumento de liberdade de acção das empresas, podem contribuir para a disseminação de empregos precários (mal pagos, incertos, não oferecendo perspectivas de progresso profissional).
Em rigor, o trabalho assalariado sofreu grandes metamorfoses nas últimas décadas. A diversificação e a flexibilização das suas formas encontram-se associadas à complexificação, heterogeneização e fragmentação do trabalho entendido como actividade produtiva.
Contudo, existem riscos nesta nova realidade, bem ilustrados por Sennett (1998). “A flexibilidade, vista a partir de baixo, é a fragmentação do tempo, é viver em risco de ambiguidade, é perder a noção de estabilidade, é a vida feita de sucessivos agoras e recomeços contínuos. A flexibilidade é o subtil fim da carreira profissional e o desprezo pela experiência acumulada... a corrosão do carácter”.
O contrato de trabalho, tal como o conhecíamos, está a ser progressivamente questionado enquanto dimensão aparentemente antagónica da flexibilidade laboral. Uma das figuras emblemáticas do contrato de trabalho, a melhoria das condições de remuneração e de carreira de acordo com a antiguidade na empresa, tem entrado em declínio. O ritmo acelerado da evolução tecnológica tem originado uma dessintonia entre mérito e antiguidade, fazendo com que os trabalhadores não se consigam manter actualizados e entrem precocemente na situação de “ramos mortos”. A não resolução deste problema, mormente através do recurso a formação profissional adequada, conduz necessariamente a um processo designado de ruptura tecnológica, em que as organizações têm, simultaneamente, pessoas a mais (sem as competências indispensáveis para o futuro) e pessoas a menos.

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