segunda-feira, agosto 21, 2006

A Administração Local em Portugal: Entre a capacidade de inovação e a resistência à mudança (II)

Como vimos, as autarquias, enquanto unidades político-administrativas relativamente autónomas das unidades públicas da Administração Central e de dimensão reduzida face a estas, constituem verdadeiras “rampas de lançamento” para a necessária inovação e mudança nas práticas públicas em Portugal. Contudo, existe todo um conjunto de fenómenos que toldam a Administração Local, impedindo esse processo de ruptura.
Antes de mais, importa assinalar a enorme percentagem de gastos com o pessoal na estrutura de custos das autarquias. Tendo em conta que as despesas de investimento se revestem de uma importância fulcral no desempenho das autarquias (afinal é, sobretudo, em função delas que a gestão municipal é avaliada no final de cada mandato eleitoral), um dos poucos elementos que possui margem de manobra na gestão de uma autarquia são precisamente os custos com pessoal. Perante o aumento das áreas de actuação dos municípios e a natural tendência de terceirização dos serviços por eles prestados, a redução das despesas correntes da autarquia passa pela natural flexibilização dos quadros de pessoal. Não esqueçamos, no entanto, que a maioria dos trabalhadores são também eleitores, pelo que existe, naturalmente, um conflito de interesses na gestão das despesas municipais ao nível dos custos com pessoal.
Como resultado directo desse aumento das competências das autarquias aos mais diversos níveis de actuação, assinale-se o crescente endividamento deste tipo de organizações. No panorama actual, a situação financeira de alguns municípios torna-se insustentável. Efectivamente preocupante a este nível é o facto de o Presidente da Câmara, quando julgado democraticamente, não ver o seu desempenho avaliado pela situação economico-financeira, mas antes pelo nível de investimento realizado em prol dos munícipes. A adopção de princípios de gestão autárquica torna-se ruinosa não existindo qualquer travão ao endividamento (ou sendo os que existem facilmente contornáveis) ou valorização efectiva do saneamento financeiro das contas públicas locais.
Contudo, um dos grandes problemas da administração autárquica, que entronca nos restantes, é a ausência de um trabalho de parceria efectivo com municípios vizinhos. De facto, parece-nos evidente que, em alternativa ao trabalho isolado (na lógica de “cada um no seu quintal”) característico da gestão municipal, a administração local só teria a ganhar com a existência de um maior e mais dinâmico intercâmbio entre entidades de referencial geo-estratégico comum.
De resto, parece-nos evidente que a grande lacuna deste tipo de organizações se encontra precisamente ao nível do planeamento estratégico. Não existem políticas integradas de gestão municipal, a estratégia encontra-se mal delineada em termos de objectivos gerais e específicos, as estruturas são propensas ao desenvolvimento de comportamentos de resistência à mudança e, inversamente, não existem estímulos à inovação e ao empreendedorismo. De resto, a inovação ou a assumpção do risco, quando existem, são sobretudo individuais, ou seja, partem de baixo para cima na estrutura hierárquica, que, pelas suas características de rigidez e divisionalismo, não propicia a existência de um impacto directo nos processos de gestão.
Finalmente, concordamos com Mintzberg quando afirma que as sociedades têm o serviço público correspondente às suas expectativas. Se as pessoas alimentam crenças de que o Estado é “pesado” e burocrático, então é assim que ele será. Pelo contrário, se reconhecerem o serviço público enquanto a causa nobre que efectivamente representa, então encontrarão um Estado forte e justo. E uma nação necessita sobretudo de que ambos os sectores, público e privado, sejam fortes, interagindo num saudável equilíbrio.

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